17 de julho de 2012

Como me tornei estúpido [Martin Page]

ATENÇÃO: este review ficou maior que o esperado (me empolguei...), mas prometo que valerá a pena lê-lo!

Minha melhor leitura de 2011 (e que ganhou um lugar de respeito na minha estante) foi A libélula dos seus oito anos. Como não podia deixar de ser, fui com sede ao pote em Como me tornei estúpido, primeiro romance do francês Martin Page. E vou dizer... superou expectativas! Posso afirmar que o autor está, definitivamente, entre meus preferidos (junto com García Márquez e Saramago).


Antoine, 25 anos, é um rapaz como muitos outros. Não gosta de ser manipulado, não gosta de explorações colonialistas, não gosta que lhe obriguem a estudar assuntos desinteressantes, odeia a burocracia e todas as suas máscaras.
Traduzir do aramaico e conhecer a fundo o cinema de Sam Peckinpah e Frank Capra, no entanto, não o levaram muito longe. Por isso, um belo dia, Antoine anuncia a seus amigos um plano perfeito. Investir na idiotice como forma de sobrevivência. Ele está convencido de que só a estupidez lhe permitirá ser plenamente aceito pela sociedade em que vive.

Genialmente exagerado e deliciosamente sarcástico, pincelado com cenas inimagináveis que se mostram fantasiadas de cotidiano (o que lembra aspectos do realismo mágico). Como me tornei estúpido deve ser saboreado sem pressa – serão necessárias diversas pausas para rir com a comicidade nada inocente e com a astúcia de muitos trechos.

Ao utilizar-se do caricato e de certo exagero, o autor provoca e faz pensar. A ideia de que a estupidez se faz necessária para a integração à sociedade é brilhante e leva verdade a tiracolo. Criticar a sociedade deliberadamente consumista, a ambição sem freios e o egocentrismo planetário não é algo superinovador, mas Martin Page revela tais críticas de maneira inteligente e dotada de personalidade.

De maneira impressionante, os seres humanos se parecem com o seu carro. Uns têm uma vida sem opções que avança com toda a prudência, não vai muito depressa, freia e tem frequentemente necessidade de reparos; é uma vida de qualidade inferior, pouco sólida, que não protege os seus ocupantes em caso de acidente. Outras vidas têm todas as opções possíveis: o dinheiro, o amor, a beleza, a saúde, a amizade, o sucesso, o airbag, assentos de couro, direção hidráulica, motor possante e ar-condicionado.

Só o que foi dito acima já seria motivo suficiente para colocar o livro na lista dos “must-read de toute urgence” (curti o termo que acabei de inventar, vou inseri-lo no meu glossário mental, sabe, para a posteridade...). Mas ainda não acabou. Antoine, o protagonista, é fascinante. Suas ideias, suas atitudes, seus princípios e seu modo de vida (antes e durante o caminho da estupidez) fazem com que o leitor tenha vontade de conhecê-lo em carne e osso. Além disso, ele tem um melhor amigo que brilha no escuro! Agora diz, quem mais tem um melhor amigo que brilha no escuro?!

Ele estava cansado da acuidade de observação que lhe dava uma imagem cínica das relações humanas. Queria viver, não saber a realidade da vida; queria justamente viver. (...) Antoine não desejava ser um perfeito imbecil, mas diluir sua inteligência no amálgama da vida, deixar de tentar analisar tudo, de tentar descobrir tudo. (...) Não se tratava de renunciar gratuitamente à razão: a finalidade era participar da vida em sociedade.

Se você quer ler algo que te surpreenda, que te faça rir e dedicar um aplauso mental ao terminar a última página, este é o livro. Lá no começo, eu disse que ele deve ser lido sem pressa. Acontece que isso é quase um desafio: garanto que você vai devorá-lo rapidinho...

Título: Como me tornei estúpido
Título original: Comment je suis devenu stupide
Autor(a): Martin Page
Editora: Rocco
Edição: 2005
Ano da obra: 2001
Páginas: 160

7 comentários:

  1. Oi, Aline

    Cheguei aqui pelo Twitter e... seu gosto pra livros é definitivamente diferente do meu. Ou isso ou você leu outro livro rs

    Essa foi minha última leitura e mesmo o livro sendo curto, foi uma tortura chegar até a última página.

    Me senti enganado. Fui em busca do humor (Me recomendaram como sendo uma comédia) e simplesmente não vi. Nem esse "deliciosamente sarcástico" que você comentou (Ou seja, é subjetivo). Com certeza, o livro apresenta um forte tom de crítica (Quer dizer, ele TODO é uma crítica), mas achei manjado.

    A única parte que achei engraçadinha foi a do fantasma. O resto foi totalmente corrido, sem ritmo e o final... Putz! Achei bem sessão da tarde. A leitura, pra mim, foi frustrante porque o livro é bem pretensioso mas, pra mim, não agregou muita coisa :-/

    Enfim, desabafei.

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  2. @Felipe Fagundes
    Oi Felipe, tudo bom? Gostei bastante de saber seu ponto de vista em relação ao livro. Realmente, vi uma considerável oposição de opiniões no Skoob e fiquei até intrigada. Acho mesmo que é o tipo de livro que a gente adora ou detesta.
    Pois é, ele todo é uma crítica, mas que achei feita de forma divertida sem perder a inteligência/propósito. Mas como você disse, e concordo, o tema não é inovador; no entanto, achei que o autor soube conduzi-lo com maestria e singularidade.
    Obrigada pelo seu desabafo, e sinta-se à vontade para desabafar sempre que quiser! =P

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  3. Sou outra que chegou pelo Twitter...

    Esse livro é mesmo daqueles que ou você ama ou você odeia. Confesso que também fiquei muito intrigada com algumas criticas no Skoob sobre esse livro. Mas em compensação as críticas positivas sobre ele são muito boas e bem construídas por lá...
    Esse livro é de uma ironia muito fina, sutil... Poderia até mesmo utilizar uma expressão muito usada na web para caracterizar o livro: Entendedores entenderão. Ou ainda: Gosto é gosto.
    Enfim, ele está lá entre meus favoritos.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Que legal, eu não fazia ideia da existência do livro - e agora estou morrendo de vontade!
    Obrigada pela dica =D

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  6. Olá
    Em primeiro lugar, quero dizer que adorei seu blog. Desde os textos ao layout. Muito bonito.
    Não conhecia esse livro. E sua resenha me chamou bastante atenção. Parece ser sensacional.

    Lucas
    livrosecontos.blogspot.com

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  7. Eu devorei "Talvez uma história de Amor", do Page! Amo a escrita dele. E seu sarcasmo e humor negro são perfeitos!

    Ainda não li "Como me tornei um estúpido", mas pretendo.

    Beijo,
    milalices.blogspot.com.br

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