23 de fevereiro de 2010

Saga Crepúsculo: opinião controversa


Primeiramente, para falar sobre a saga Crepúsculo, percebo ser correto considerar dois fatores importantes. O primeiro deles é que a saga em questão consiste em literatura bastante comercial. Este é um ponto fundamental na hora de se chegar a um parecer em relação a um livro: ater-se ao que ele originalmente propõe. Os livros da saga Crepúsculo são de fácil leitura, e devem ser encarados como ferramenta de entretenimento, e só. Estes livros têm tudo para agradar a maioria dos leitores (dentro do público-alvo estabelecido) e facilmente os transformam em fãs. O segundo fator a ser considerado é justamente a questão do público-alvo. A saga Crepúsculo é direcionada a um público específico, aconselhando-se então que a leitura seja feita sob a ótica deste. Também é importante alinhar expectativas, e não esperar coisas que não estejam de acordo com o universo do público em questão. Não adianta um adulto ler um livro direcionado a adolescentes e esperar que o conteúdo seja totalmente pertinente a ele, adulto; o resultado será um leitor decepcionado, que não enxergará possíveis pontos positivos na obra. Tendo estes dois fatores em mente, podemos então discutir sobre a saga que rendeu fama à autora Stephenie Meyer.

Ao contrário de muitas pessoas, eu nunca havia lido sequer uma página de Crepúsculo até ver o filme. Mesmo o filme, assisti-o no Telecine, ou seja, bem depois de ter saído dos cinemas. Gostei do filme (claro, dentro de sua proposta), e depois, curiosa, fui conferir Lua Nova. Então surgiu o interesse nos livros, a curiosidade de saber o porquê de tamanho sucesso.

SINOPSE
Dada a popularidade da saga, todos já devem conhecer de que se trata. Isabella Swan muda-se para a cidade de Forks, que nunca lhe agradou, para viver com o pai. Apesar de chamar a atenção de todos na escola, ela é uma garota reservada e um tanto desajeitada. Para dar uma temperada na vida insípida da cidade, Bella apaixona-se por Edward Cullen, um vampiro “vegetariano” que retribui seus sentimentos e que tem irresistível sede pelo sangue da garota, o que faz com que exercite um forte auto-controle. O estilo “amor proibido” está sempre presente a cada livro da saga, assim como as situações em que Bella encontra-se exposta a grandes perigos devido a sua proximidade com os Cullen.

IMPRESSÕES
Se eu demonstrasse minhas impressões sobre os livros da saga Crepúsculo em um gráfico, este seria repleto de altos – ou melhor, médios – e baixos. Ler o primeiro livro, Crepúsculo, foi uma experiência um pouco monótona, entediante, até. Confesso que cheguei a ficar irritada com o decorrer dos acontecimentos e diálogos entre as personagens. Motivo: muita repetição e sensação de lerdeza, as coisas nunca saíam do lugar.

Lua Nova me animou um pouco, e devo este fato à relação Bella-Jacob. A história pareceu ter um pouco mais de vida, um pouco mais de ação, apesar de continuar a apresentar pontos negativos como, por exemplo, as páginas em branco respectivas aos meses logo após a partida de Edward. Estes meses que a autora preferiu deixar em branco poderiam ser abordados com a profundidade merecida, até para mostrar facetas de Bella ainda não reveladas, mais como uma tentativa para que a personagem fosse mais elaborada e coerente. Contudo, achei que a partir do segundo livro as coisas finalmente iriam engrenar, mas ao ler Eclipse meu “gráfico de impressões” apresentou uma descida íngreme.

Defino Eclipse como um livro chato, boring, o que mais posso dizer? De novo, situações e diálogos que parecem não ter finalidade exceto nos manter presos num eterno “chove não molha”. De repente, alguns personagens resolvem contar toda a sua história de vida e amarrá-la à trama, sendo que estas histórias deveriam permear os acontecimentos desde o início. A facilidade com que se desenrolaram os momentos finais foi decepcionante, todo um planejamento para que tudo terminasse de forma tão fácil. Terminei o livro com o pensamento: “Mas, é só isso?”. Não gostei, ponto final.

Com a leitura de Amanhecer tive um certo aumento no grau de interesse e pude sentir-me mais entretida. Mas confesso que não me agradou de todo. Bella descobre os prazeres carnais (claro, somente após o casamento, né) e se descobre apreciadora “destas artes”. Edward sempre querendo ser correto, sempre cheio de cuidados, sempre cruzando a linha tênue que separa o extremamente romântico do irritante. Já habituados com o gosto de Bella pelo sofrimento, e sabendo que as conclusões acontecem com tamanha facilidade, “cozinhando” para depois serem indolores, não fica difícil saber como a história se desenvolverá e como será finalizada.

PONTOS POSITIVOS X PONTOS NEGATIVOS
Uma adolescente comum, cheia de conflitos, um príncipe encantado que ultrapassa a perfeição (e que se derrete pela adolescente comum, com quem é extremamente protetor), romantismo (e palavras doces, e promessas de amor), e um ingrediente especial: vampiros, que são seres naturalmente sedutores e possuidores de dons incríveis. É uma receita conhecida que funciona, e nem por isto deixa de ser boa. Um romance proibido aliado a elementos obscuros é instigante e não há como não se deixar envolver. A ideia da trama é acertada dentro de seu público-alvo, mas poderia ser bem melhor trabalhada e, inclusive, melhor escrita (em minha humilde opinião de leitora). O universo da história poderia, desde o primeiro livro, ser construído de forma mais sólida. A cada livro, surge (do nada) um fato de extrema importância que não havia sequer sido mencionado anteriormente, cuja função parece ser apenas a de chegar aos “finalmentes”, deixando um pobre rastro de explicações no decorrer da saga. Parece que a autora precisou desesperada e continuamente criar elementos novos, e foi tentando costurá-los, nos mostrando um universo mal elaborado, que apresenta “remendas” para que a continuação tenha sentido. À aparição destes elementos/acontecimentos, na tentativa de integrá-los à trama e amenizar a impressão de que apareceram do nada, são atreladas justificativas quaisquer, pouco ou nada convincentes, e que tendem a deixar o leitor com uma grande lacuna e muitas perguntas sem resposta ao término do último livro. Outra característica negativa, e que nem é necessário ler todos os livros da saga para notá-la, são os diálogos. Salvo alguns realmente importantes para o entendimento do livro, muitos outros diálogos lá existem sem razão de ser, num “lenga-lenga” cansativo e sem-graça.

(Ouvi dizer que haveria mais um livro da saga, Midnight Sun, e que seria algo como a versão de Edward para os acontecimentos do primeiro livro, Crepúsculo. Porém, ainda não se sabe se será mesmo lançado futuramente. Como leitora curiosa que sou, confesso que, se houver mesmo um quinto livro, é provável que eu o leia. Este é um dos males, ou não, das sagas: é geralmente difícil abandoná-las ao meio.)

PARA CONCLUIR
Em suma, os livros da saga Crepúsculo estão longe de estar entre os meus mais apreciados. Mas devo dizer que, apesar dos pontos negativos que percebi durante a leitura, estes livros foram leves e fáceis de ler, e me senti entretida enquanto os lia. Desta forma, também estão longe de ser uma leitura extremamente tediosa e insuportável. Estão bem ali, no meio-termo, e às vezes chego a achar que eles não merecem todo este alarde que tem sido feito. Enfim, é só uma opinião.

Já no cinema, gostei do resultado. Aliás, este foi um dos casos raríssimos em que gostei mais dos filmes que dos livros, pois achei que não deixaram a desejar em nada (mesmo não sendo extremamente fiéis às obras). Os filmes Crepúsculo e Lua Nova me prenderam, e a trilha sonora, principalmente deste último, foi muito bem escolhida (ouçam A White Demon Love Song e me digam se estou mentindo... adoro The Killers =D ). E, sim, estou curiosa a respeito da versão cinematográfica de Eclipse.


Todo livro é um excelente aliado no exercício do pensamento crítico. Muita gente critica por criticar, de forma até radical, sem conhecer ou pelo simples fato do livro ter virado febre entre os leitores. Não concordo com isto, pois acredito que a crítica deve ter por base argumentos sólidos, ainda que não sejam verdades inquestionáveis, mas que sejam realmente percebidos por quem está criticando, que façam parte de sua impressão pessoal a respeito da obra. Aliás, sou da opinião de que se deve sempre conhecer para criticar. E, finalmente, acredito na total possibilidade de apreciar algo e, ao mesmo tempo, ter suficiente discernimento para saber apontar seus pontos negativos.

Título: Crepúsculo / Lua Nova / Eclipse / Amanhecer
Autor(a): Stephenie Meyer

Publicação original: 2005 / 2006 / 2007 / 2008

19 de fevereiro de 2010

O Amor nos Tempos do Cólera: uma obra-prima de verdade!

Definitivamente, uma vez lida, não tenho como deixar passar em branco uma obra de Gabriel García Márquez. Por isto, dedico este post ao livro O Amor nos Tempos do Cólera, que li recentemente e que me mantém encantada até os presentes minutos.

Para os amantes de uma boa história de amor, o livro é um prato cheio. Florentino Ariza, um rapaz puro e simples, apaixona-se ainda na juventude por Fermina Daza, jovem altiva e de gênio bastante forte. Após iniciarem um breve romance através de cartas, seguido de uma viagem de Fermina Daza para visitar sua prima Hildebranda (imposta por seu pai com o objetivo de deixar para trás o romance de juventude), Fermina Daza acaba por rejeitar Florentino Ariza de forma repentina ao retornar de viagem, pois percebe uma discrepância entre a imagem idealizada que nutria e a realidade do homem que encontrou frente a si. Casa-se então com o célebre doutor Juvenal Urbino, o que lhe rende o ingresso à alta sociedade e uma vida estável e de paz.

Já Florentino Ariza, cada vez mais distante de sua amada, preenche sua vida com relações passageiras, enquanto escreve cartas de amor encomendadas por terceiros, cartas que foram capazes de unir jovens casais enquanto seu autor permanecia só em seu inferno privado. Se nas cartas de amor Florentino Ariza colocava todo o seu ser e obtinha êxito, no ofício já não teve a mesma sorte: suas cartas comerciais eram demasiado líricas e assemelhavam-se a cartas de amor. Contudo, Florentino Ariza destacou-se pela perseverança. Ter Fermina Daza converteu-se em seu projeto de vida – o fato de ser casada e com filhos nunca foi obstáculo – e, a partir disto, reuniu força e motivação que o levaram a tornar-se responsável pela Companhia Fluvial do Caribe e, consequentemente, uma figura pública de importância inquestionável. Após meio século de espera febril (51 anos, 9 meses e 4 dias, para ser mais exata), Florentino Ariza reafirma suas juras de amor eterno na primeira noite da viuvez de Fermina Daza, e prova-nos que o amor é imune ao tempo – ainda que as pessoas não o sejam – e que não há idade para amar.

A deliciosa narrativa de Gabriel García Márquez e o retrato mágico do Caribe do século XIX, assolada pelo fantasma do cólera, são dois pontos mais que positivos deste livro. Somemos a eles os acontecimentos fantásticos tão bem costurados à realidade – e por isso são, de fato, reais – e temos uma obra-prima completa. Não posso citar pontos negativos, pois este livro simplesmente não os tem.

Para os mais curiosos, vale a pena conferir o filme O Amor nos Tempos do Cólera (2007), de Mike Newell, que traz Javier Bardem na pele de Florentino Ariza e Fernanda Montenegro vivendo a mãe do protagonista. No entanto, somente indico o filme a título de curiosidade mesmo, já que não há um aprofundamento na relação entre Fermina Daza e o doutor Juvenal Urbino, e nem confere a carga de sentimentos que nos transmite o livro.

Título: O Amor nos Tempos do Cólera
Autor(a): Gabriel García Márquez

Publicação original: 1985

15 de fevereiro de 2010

Moulin Rouge, amores doloridos e boemia latejante

Desfiles das escolas de samba, carros alegóricos, aquele som infernal (perdoem-me os apreciadores) vindo da televisão e de onde quer que seja; ao invés de tudo isso, amores não correspondidos, “French Cancan”, as ruas de Montmartre e o famoso Moulin Rouge. Com vocês, uma ótima opção para os que não morrem de amores pelas festividades do Carnaval, mas ainda assim querem preencher o feriado com algo de qualidade: Moulin Rouge!

Ao contrário do que muitos podem pensar de início, o livro Moulin Rouge não relata aquela linda história de amor entre Christian e Satine do filme de Baz Luhrmann, mas sim a trajetória (mais como uma biografia romanceada) do pintor francês pós-impressionista e litógrafo Henri-Marie-Raymonde de Toulouse-Lautrec-Monfa, ou apenas Henri de Toulouse-Lautrec; e devo dizer: é um livro que figura entre os meus favoritos.

Toulouse-Lautrec nasceu na nobreza francesa, mas foi a vida boêmia parisiense de fins do século XIX que ele adotou como sua (ou teria sido a boemia que o adotou?). Essa vida, inclusive, era o tema principal de suas pinturas; seu estilo mostrava linhas livres e cores intensas, transmitindo expressividade e movimento. Dançarinas como La Goulue e Jane Avril apareciam retratadas em seus cartazes para o cabaré Moulin Rouge, onde exercia papel de frequentador assíduo.

Contudo, a vida de Toulouse-Lautrec esteve longe da felicidade e glória, estas se mostrando apenas como leves e efêmeros (por vezes falsos) sopros em sua trajetória. Sua doença – que fez dele um homem adulto com pernas de menino –, o sabor amargo dos amores não correspondidos e o alcoolismo desempenharam importantes papeis em sua curta vida e conferem uma dose extra (e realmente emocionante) de drama na história. Outra característica que torna o livro ainda mais cativante são as interações – reais – entre Toulouse-Lautrec e nomes célebres como Vincent Van Gogh, entre outros.

Moulin Rouge é um livro para ser saboreado em todas e cada uma de suas palavras. Moulin Rouge é atrevido ao tocar-nos o fundo da alma. Moulin Rouge é um livro de amor, ainda que em sua mais triste faceta.

Curiosidades:
- Este livro deu origem a um filme de mesmo nome, Moulin Rouge (1952), dirigido por John Houston e ganhador de 2 estatuetas do Oscar.
- No filme Moulin Rouge de Baz Luhrmann (2001), Toulouse-Lautrec aparece como um personagem secundário, envolvido e sofrendo com as tragédias do casal protagonista.

    
Pequenos exemplos da arte de Toulouse-Lautrec

Título: Moulin Rouge
Autor(a): Pierre La Mure
Publicação original: 1950

11 de fevereiro de 2010

Cântico de Sangue - Crônicas Vampirescas

Último livro da sequência de Crônicas Vampirescas da autora Anne Rice, Cântico de Sangue traz o conhecidíssimo vampiro Lestat, com sua personalidade e senso de humor singulares, narrando os acontecimentos em primeira pessoa. Não são raros os momentos em que ele abre um parêntese em meio aos fatos contados para falar diretamente ao leitor, deleitando-nos com sua irreverência natural.

Concede a Mona Mayfair o Dom das Trevas, salvando-a da morte e fazendo pulsar sua beleza e determinação voraz. Juntamente com Quinn Blackwood, empreendem uma jornada em busca de Morrigan, a filha desaparecida de Mona, e o livro torna-se ainda mais instigante com a aparição dos fascinantes e misteriosos Taltos – seres ligados profunda e secretamente à família Mayfair.

Não há como deixar de lado a paixão repentina de Lestat por Rowan Mayfair, bruxa e médica de destaque. A tensão latente entre ambos e o fato de Lestat de certa forma não admitir o que sente, nos deixam curiosos quanto a um possível romance; no entanto, não pode ser ignorada a presença de Michael Curry (marido de Rowan), o que faz com que novamente nos questionemos a respeito do futuro do sentimento que assola nosso protagonista. Ainda, a constante batalha “viver na companhia de humanos X imortalidade” permeia os acontecimentos, culminando na necessidade de escolhas maduras.

O livro é envolvente e o vampiro Lestat é uma figura sem igual. Da autora, nem preciso comentar que, em minha opinião, Anne Rice é campeã em matéria de vampiros (uma pena a mudança de rumo em sua carreira). Ainda assim e finalizando, senti falta do erotismo que promete a sinopse na contracapa do livro: “... o famoso vampiro insiste em percorrer o longo e tortuoso caminho do conhecimento nesta história repleta de suspense e erotismo.”

Título: Cântico de Sangue
Autor(a): Anne Rice
Publicação original: 2003

9 de fevereiro de 2010

Os Contos de Beedle, o Bardo: saudades de Hogwarts

Não é novidade e nem lançamento, mas certamente merece um lugarzinho de honra por aqui. Refiro-me ao livro Os Contos de Beedle, o Bardo – coletânea de contos bruxos que marca importante presença no último livro da série Harry Potter.

Trata-se de uma coletânea de 5 contos de fadas do universo dos bruxos, com direito a ilustrações por J.K. Rowling e comentários do ilustre professor Alvo Dumbledore. Assim como nos contos de fadas que fizeram parte de nossa infância, a estrutura dos contos aqui é a mesma: o bem e o mal são facilmente identificados e cada conto carrega consigo uma moral e valores. Os contos divertem e convencem, sendo inevitável não imaginar crianças bruxas de todas as partes ouvindo-os de seus pais e avós, e tendo-os tradicionalmente como parte de sua educação.

É interessante mencionar que os direitos autorais do livro foram doados para o Children’s High Level Group (cofundado por J.K.Rowling), ajudando crianças que vivem em instituições.

O livro foi inicialmente concebido como um presente: J.K. Rowling escreveu à mão sete edições para presentear amigos. Uma das edições foi leiloada pela loja Amazon pelo valor de US$ 4 milhões. Uma edição de colecionador pode ser encontrada à venda na Amazon, trazendo dez ilustrações inéditas por J.K. Rowling, além de um case no formato de um livro da biblioteca de Hogwarts, entre outros detalhes. Veja fotos e mais informações clicando aqui.

Enfim, o que mais encanta em Os Contos de Beedle, o Bardo é ser transportado novamente ao mundo de Hogwarts, uma vez que o final da série deixou saudades e súplicas por um prolongamento – ainda que pequeno – deste universo do qual fizemos parte durante alguns inesquecíveis anos de nossas vidas.

Título: Os Contos de Beedle, o Bardo
Autor(a): J.K. Rowling
Publicação original: 2008

8 de fevereiro de 2010

A Chuva


Há um certo desespero nos dias chuvosos. Como se, repentinamente ou aos poucos – tanto faz –, o firmamento se recordasse de alguma mágoa antiga, coisa de anos ou mesmo de séculos, e recolhesse toda a sua claridade e limpidez, passando a desaguar gotas de desabafo. E, quanto mais tempo as gotas permanecem a cair dissimuladas sobre nós, maior é o desalento. Também tenho a impressão de que o firmamento chora as mesmas mágoas, repetidamente, assim como nós o fazemos. A gente bem sabe que muitas vezes é preciso um longo tempo para deixar o lamento para trás; no entanto, é comum este mesmo lamento apenas se esconder, retornando e permanecendo por minutos ou horas por causa de alguma simples lembrança.

Este desabafo dos céus, ocasionalmente, traz fúria, que ao juntar-se com a mágoa forma uma unidade um tanto perigosa. Imaginava eu que a fúria conseqüente da tristeza não tivesse o poder de perdurar por muito tempo, que fosse intensa, porém momentânea, e logo fosse abrandada como o mar nos dias de calmaria. Um equívoco da minha parte. A fúria persiste por tempos imensuráveis, mas adormecida, deixando-nos enganar por sua aparente ausência. Mas, igual ao lamento, ela acorda e retorna, fazendo-nos surpreender com trovões... vindos do firmamento ou do interior de nós mesmos.

E é certo que os dias chuvosos nos castigam, pois nos intimidam e nos fazem recolher. Pior que os dias apenas nublados, os quais nos fazem sentir sua melancolia, mas não necessariamente nos obrigam a escutar e assistir às suas decepções em forma de paisagem. Os dias de chuva nos mantêm em um confinamento opcional, e justamente por ser opcional parece ser mais letárgico. Os dias de chuva nos mantêm sentados, tomados pela palidez do mundo lá fora na janela, escutando as gotas de repente cair, fazendo curvas nos telhados e nos postes, batendo com força nos vidros, ou assemelhando-se a traços de lápis em um desenho sem cor. E as gotas escorrem nas nossas janelas, deixando pequenos rastros molhados que vamos seguindo incansavelmente, até nos darmos conta de que o dia já passou.

Escrito por Aline T.K.M. em julho de 2009.

4 de fevereiro de 2010

Caderno de Rabiscos para Adultos Entediados no Trabalho

Foi num final de semana, há meses atrás, enquanto caminhava entre as prateleiras da Livraria Cultura (lugar adorável!) que o vi. Estava lá todo modesto, espremido entre livros bem maiores e o vidro da prateleira. E graças ao vidro eu o vi. A capa laranja também ajudou, apesar do tamanho compacto. Acabei passando reto, mas aquele título ficou por uns segundos na minha cabeça e tive que voltar para ver do que realmente se tratava. Uma ideia daquelas seria genial demais, eu pensei, e realmente era.

Com certo esforço, consegui resgatá-lo da prateleira. Fitei a capa, o título dizia  Caderno de Rabiscos para Adultos Entediados no Trabalho. Demorei-me um pouco nela: a capa de um livro, quase sempre, é algo muito interessante se olhar às pressas. E, por fim, o abri. (Curiosidade: da artista gráfica francesa Claire Faÿ, o livro foi lançado em 2006 e surpreendeu ao permanecer na lista de best-sellers da França. Em 2007, esteve entre os 10 livros mais vendidos do mesmo país.)

O que eu posso dizer é que o livrinho me surpreendeu. A cada página deparei-me com passatempos bastante interessantes e totalmente dentro do contexto do ambiente no qual passamos 8 das 24 horas do nosso dia. E muita gente, ao ver o livro, deve ter se surpreendido pelo mesmo sentimento de identificação. Atividades como "desenhe a vaca indo para o brejo" me fizeram rir por apresentar causos do dia-a-dia que ainda nos deixarão uma úlcera nervosa de recordação. Uma atividade em especial achei genial, trata-se do já conhecido "relacione a coluna da esquerda com a coluna da direita", sendo que a coluna da esquerda eram as corriqueiras e mais que irritantes coisas que normalmente fazemos nos escritórios (responder email do chefe, por exemplo). Já a coluna da direita é que era boa, com desenhos de gestos com a mão (apontando o dedo de diversas formas, com significados nada amigáveis). Ligar as colunas nunca foi tão divertido desde aqueles passatempos que eu fazia nos gibis da Turma da Mônica! Merece atenção especial também o "coloque os pingos nos i's" e a "pausa para o café: colorir as xícaras até transbordarem" (a versão chá ou chocolate quente seria muito bem-vinda também, não?).

Em suma, apesar de ser fininho e relativamente discreto (não fosse pela capa laranja), o Caderno de Rabiscos para Adultos Entediados no Trabalho diverte e ameniza as tensões de um dia atribulado. Ele é ousadinho, provoca sem avacalhar, já que, em tempos nos quais vender a alma para o demo já virou passado – agora a gente vende a alma para as corporações –, todo cuidado é pouco.

Título: Caderno de Rabiscos para Adultos Entediados no Trabalho
Autor(a): Claire Faÿ

Publicação original: 2006

LEIA TAMBÉM:
Caderno de Rabiscos para Adultos que Querem Chutar o Balde

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