14 de agosto de 2010

Vi na Livraria: O Anatomista


O ANATOMISTA - Federico Andahazi
Os anatomistas - na Renascença - eram estudiosos do corpo humano. Mateo Colón era um desses anatomistas e, em meados do ainda obscuro século 16, se apaixona por uma meretriz veneziana - Mona Sofia. Mas a cortesã desdenha friamente dos sentimentos de Mateo. Ele inicia, então, a busca por uma poção, uma substância, qualquer coisa que possa fazer com que Mona se apaixone por ele. Pensando na mulher amada é que ele descobre as maravilhas operadas por uma parte da anatomia - e da alma - feminina totalmente desconhecida até então - o Amor veneris, ou, como é mais conhecido hoje, o clitóris. Porém, para transmitir seus novos conhecimentos a Mona, Mateo precisa antes enfrentar a Inquisição. Neste romance, Federico Andahazi combina todo o ardor e a elegância do seu estilo com uma visão do ser humano, atingindo a fórmula da sedução irremediável do leitor.

6 de agosto de 2010

Lolita [Vladimir Nabokov]

A mais famosa obra do russo Vladimir Nabokov, Lolita é um best-seller polêmico. Ao menos o era na época de seu lançamento, em 1955. Claro que hoje causa menos impacto, mas a falta de pudor e o aspecto imoral da obra são características impossíveis de ser ignoradas.

O livro nos traz Humbert Humbert (é assim, repetindo mesmo) narrando em primeira pessoa sua obsessão por meninas púberes (entre 8 e 14 anos), às quais ele denomina “ninfetas”. Após uma série de insatisfações na Europa, Humbert, então um homem de meia-idade, muda-se para os EUA, e acaba por hospedar-se na casa de Charlotte Haze. A partir do momento em que conhece a filha de 12 anos de Charlotte, Dolores Haze, Humbert desenvolve uma grande paixão e obsessão pela menina.

O protagonista nos fala abertamente de seu lado pedófilo, de forma até “natural”, o que pode espantar um pouco os desavisados. Mas, ao contrário do que podem pensar, não considero a narrativa como sendo vulgar, e palavras de baixo calão não são utilizadas. A franqueza, essa sim dá as caras em todos os momentos, já que Humbert detalha seus atos, pensamentos e opiniões.

(...) ao longo de toda uma vida de pedofilia, já adquirira uma certa experiência, havendo possuído visualmente incontáveis ninfetas salpicadas de sol nos parques e me espremido, com depravada cautela, nos cantos mais quentes e apinhados de ônibus repletos de escolares.

Em primeira pessoa, Humbert dirige-se ora ao leitor ora ao júri (do crime do qual ele é acusado). É um protagonista com o qual é impossível haver uma identificação da parte dos leitores por razões óbvias, mas ao mesmo tempo é inevitável torcer para que ele fique bem, de alguma forma. Humbert sofre bastante, e é claramente notado algum desvio de ordem psicológica em sua personalidade; suas adoradas ninfetas perceptivelmente representam a menina Annabel por quem Humbert se apaixonou ainda criança, e ele parece buscá-la em cada garota que cruza seu caminho.

Humbert não se sente atraído por mulheres adultas; ainda que reconheça a beleza de algumas, constantemente refere-se a elas de forma repulsiva. Sente também notável aversão por garotas universitárias. No trecho abaixo vemos um exemplo de como ele se refere – de forma um tanto machista, inclusive – às mulheres com quem saía ("satisfazendo" suas necessidades sexuais):
As fêmeas humanas que me era permitido manusear eram apenas agentes paliativos.

Lolita me pareceu uma obra bastante completa, na maior parte do tempo envolta em uma atmosfera densa, mas com direito a pequenas aberturas através das quais o espírito do protagonista parece inundar-se de felicidade – efêmera e um tanto questionável, porém sincera.

Sendo o próprio Humbert quem narra o romance, a personagem de Lolita fica restrita à visão dele. Somente sabemos dela o que Humbert nos conta, e é particularmente interessante como não conseguimos enxergar Lolita como uma “criança” de 12 anos (eu, pelo menos, não consegui). Apesar de ter lá seus momentos infantis, a meu ver, a garota assemelha-se mais a uma adolescente ou jovem adulta que alterna momentos de malícia, rebeldia e inocência conforme suas necessidades e interesses pessoais. Mas isso é o que Humbert nos permite – ou nos direciona – a enxergar. Ele pinta uma Lolita cínica, até interesseira, que mostra aversão a atitudes que sugerem romantismo e que parece brincar com os sentimentos dele o tempo todo. Apesar disso, não descarto a hipótese de Lolita ser apenas uma criança travessa, por vezes confusa com a série de acontecimentos em sua vida durante a puberdade, tendo que lidar com a descoberta do sexo e de sentimentos tão novos na vida de qualquer menina de sua idade. Ao mesmo tempo, acredito que a falta da figura paterna e o aparecimento de Humbert, a princípio como namorado de sua mãe, a faz projetar nele sentimentos que teria por seu pai.

Apesar de finalizarmos a leitura com uma sensação de não conhecermos direito quem é Lolita – não sabemos o que ela pensa nem o que motiva seus atos –, acabamos nos flagrando sensibilizados por um Humbert triste, incompleto e que busca incansavelmente por alguma peça perdida em sua vida.

Lolita é uma obra imperdível, capaz de fazer com que nos deparemos com opiniões e sentimentos conflitantes acerca das personagens e acontecimentos. Não é possível odiar completamente o homem que relata as tantas situações repugnantes do livro, mas de igual forma é impossível defendê-lo. Esse clássico de Nabokov me faz pensar que a relação entre Humbert e Lolita, além de possuidora de peculiar beleza, assemelha-se à vida de uma forma geral: contraditória, difícil de ser julgada, e irremediavelmente incompreendida em sua totalidade.

Em tardes particularmente tropicais, na pegajosa intimidade da sesta, eu gostava de sentir o frescor da poltrona de couro contra minha nudez maciça enquanto a tinha em meu colo. Lá ficava ela, como qualquer criança, a enfiar o dedo no nariz enquanto lia as seções menos exigentes do jornal, tão indiferente a meu êxtase como se estivesse sentada sobre um objeto qualquer – um sapato, uma boneca, o cabo de uma raquete de tênis – e fosse preguiçosa demais para afastá-lo.

Título: Lolita
Autor(a): Vladimir Nabokov
Publicação original: 1955

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