25 de abril de 2012

O Homem Duplicado [José Saramago]


"Diz-se que só odeia o outro quem a si mesmo se odiar, mas o pior de todos os ódios deve ser aquele que leva a não suportar a igualdade do outro, e provavelmente será ainda pior se essa igualdade vier a ser alguma vez absoluta."

Tertuliano Máximo Afonso, professor de História, descobre acidentalmente a existência de um sósia seu, o ator Daniel Santa-Clara, ao assistir a uma comédia banal indicada por um colega de trabalho. O professor, então, vê-se obcecado por descobrir quem é aquele homem idêntico a ele.


Com uma narrativa impecável que utiliza do suspense, chegando a emparelhar-se com um thriller, Saramago nos traz o homem contemporâneo e toda a rede intrincada de problemas de ordem psicológica e social que o acompanham. Durante o romance, assistimos à perturbação e à perda gradual da identidade de Tertuliano Máximo Afonso, que começa a ocorrer tão logo ele descobre a existência de seu duplicado. O que a princípio parece tratar-se apenas de uma simples curiosidade, transforma-se em uma perigosa sequência de ações que podem levar a resultados desastrosos.

O texto retrata um mundo degradado que abriga homens degradados, tal como vemos se prestarmos atenção a nossa volta. Aparências que não refletem a verdade, relacionamentos vazios, comunicação escassa, egoísmo, a mentira utilizada como abrigo. Tertuliano Máximo Afonso e Daniel Santa-Clara, idênticos na aparência (em cada sinal e cicatriz) e tão dissonantes no caráter, envolvem-se em um verdadeiro jogo a fim de provar um ao outro quem é “o duplicado” – papel recusado por ambos – e quem é o primeiro, o “original”. E, em tal jogo, o leitor se questionará sem pausa: será que existe mesmo um vencedor?

Melhor do que eu mesma me pôr a falar do protagonista, prefiro que o trecho abaixo o faça:
Tertuliano Máximo Afonso não pertence ao número dessas pessoas extraordinárias que são capazes de sorrir até quando estão sozinhas, o próprio dele inclina-se mais para o lado da melancolia, do ensimesmamento, de uma exagerada consciência da transitoriedade da vida, de uma incurável perplexidade perante os autênticos labirintos cretenses que são as relações humanas.


Em toda a narrativa, encontramos trechos recheados de significado e de uma verdade nem sempre explícita, o tipo de passagem que dá vontade de copiar para reler depois. As conversas de Tertuliano Máximo Afonso com o “senso comum” e as referências à mitologia enriquecem a história e, ao juntarmos aí a astúcia com que o enredo foi conduzido, o resultado só pode ser um livro surpreendente.

O título e o tema podem falsamente sugerir ao leitor alguma pitada de ficção científica. No entanto, não esperem encontrar algo do gênero na obra, que é totalmente centrada nas turbulências do homem e apresenta no tema um aspecto mais introspectivo, voltado à reflexão.

A partir de um final arrebatador, só nos resta colocar ao menos mais duas questões – e é inevitável não fazê-lo – acerca do nosso Tertuliano Máximo Afonso e também da vida real: e se, afinal, déssemos mais ouvidos ao senso comum? Até que ponto seria ele benéfico?

Em tempo: soube recentemente que haverá uma adaptação hollywoodiana do livro, intitulada An Enemy, protagonizada por Jake Gyllenhaal. O filme será dirigido por Denis Villeneuve, diretor de Incêndios. Considerando a primazia do livro de Saramago, An Enemy tem tudo ser colocado na lista dos must-see.

Título / Título original: O Homem Duplicado
Autor(a): José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Edição: 2002
Ano da obra: 2002
Páginas: 320

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